A Alma de um Povo

Estamos em ano de festas, já se sentem o bulício e a ansiedade no ar e para entrar também eu no espírito, vou deixar aqui um texto que escrevi há já mais de uma década (creio que por ocasião da edição de 2000 das Festas do Povo) e que foi publicado no jornal Mais Alentejo, que entretanto passou a revista. A foto é de 2004 e embora seja minha, foi feita ao serviço do Município de Campo Maior, pelo que já a devem ter visto por aí algumas vezes.

A Alma de um Povo

Diz a canção que “Numa manhã de Setembro a vila acorda mais bela”, mas por razões que não se compadecem com a tradição, as últimas edições das Festas do Povo ou das Flores ou ainda dos Artistas, trouxeram de volta a Primavera a Campo Maior no final de Agosto.

Caiam-se as casas, marcam-se os lugares dos paus cujo papel é servir de esqueleto a toda a estrutura e dá-se forma às últimas folhas de papel de onde nascerão as flores que atraem as multidões. As Festas são do Povo, porque é o Povo que lhes dá o maior contributo. Sacrificam as merecidas horas de descanso para dar forma às flores e demais arranjos sem os quais Campo Maior não se poderia transformar, da noite para o dia, no mais belo dos jardins.

Tudo começa em Janeiro (ou antes), elege-se o “cabeça de rua” (personagem encarregada de organizar os trabalhos), faz-se o esboço da obra, escolhe-se a cor do papel e enceta-se o trabalho. Ao serão, depois de jantar, juntam-se em casa de uma das vizinhas. Graúdos e miúdos dobram, cortam e colam papel e, por entre as conversas de ocasião e os comentários à telenovela, inicia-se a magia. Nasce uma rosa, floresce uma tulipa, cresce uma oliveira. Tudo peças únicas. Feitas quase em série, iguais à primeira vista, mas únicas, cada qual traz o cunho de quem as fez, com as mãos e com o coração.

A agitação é muita, o cansaço também e por vezes surge o medo de não ter tudo pronto para a noite da “enrramação”. Mas é assim mesmo, as pessoas há já muito que estão habituadas a sofrer na pele o nervosismo e as noites mal dormidas que as Festas trazem consigo, no entanto também trazem a alegria de ver o encanto nos rostos dos forasteiros, maravilhados com tamanha manifestação de arte popular. Sentir que o seu trabalho é reconhecido e elogiado é a única recompensa para quem deixou um pouco de si em cada flor a que deu forma. Vem ao de cima um povo orgulhoso e, porque não, vaidoso, uma vaidade consentida por quem aprecia o mundo de sonhos em que entrou e, há que dize-lo, mais do que merecida.

Desde o mais pequeno dos pormenores até à mais elaborada entrada de cada rua, tudo isto nos transporta para um mundo feito com papel e com os sonhos de um povo. Pela originalidade, pela beleza, pela poesia, pela arte, por tudo isto e por muito mais vale a pena assistir ao espectáculo que são estas Festas, únicas no mundo, mas portuguesas, com certeza.

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